Nascido em 1841 em Vila
Real de Trás-os-Montes, Custódio José Duarte formara-se em medicina na Escola Médico-Cirúrgica
do Porto. Terminara o curso em 1865 e fora logo colocado como facultativo em
Cabo Verde.
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Exercera a medicina em
várias ilhas durante os quinze anos seguintes, com um intervalo de um ano,
entre Março de 1876 e Junho de 1877, durante o qual ocupara em Luanda o cargo
de secretário-geral do governo de Angola.
Regressado a Cabo Verde,
reformara-se como diretor do serviço de saúde da província e fixara residência
na cidade do Mindelo, aonde viria a morrer na estação das águas de 1893. Antes
disso, tivera tempo para presidir à Comissão Municipal de São Vicente, para
trabalhar como delegado de saúde e médico municipal, e para fundar a primeira
biblioteca pública do Mindelo, inaugurada em 1882.
Custódio José Duarte fora
também poeta e ensaísta, mas boa parte daquilo que escreveu acabaria por ser
atirado ao mar dentro de um cofre, respeitando um desejo que ele manifestara às
portas da morte. Salvaram-se os textos publicados até então, o mais conhecido
dos quais é o ensaio de 1886 «O crioulo de Cabo Verde», escrito em parceria com
Joaquim Vieira Botelho da Costa.
Trata-se de um estudo
pioneiro sobre a língua cabo-verdiana, surgido logo após os primeiros trabalhos
do folclorista português Adolfo Coelho dedicado ao assunto.
Embora fossem metropolitanos
de origem, tanto Custódio José Duarte como Botelho da Costa viveram longas
décadas em Cabo Verde e arranjaram mulheres crioulas. Por isso, como observou
Félix Monteiro, ambos tiveram tempo de sobra para aprender a língua da terra «em circunstâncias especiais e mesmo
amorosamente, sobretudo durante a infância dos filhos, por intermédio dos quais
se caboverdianizaram definitivamente».
Mais tarde, outros médicos
metropolitanos que se crioulizaram também por via das mulheres que arranjaram
na ilha vieram a tornarem-se igualmente queridos do povo e espíritos de luz com
presença regular nas sessões espíritas em São Vicente. É esse o caso do doutor
Francisco Augusto Regala, que chegou a Cabo Verde aos trinta anos, em 1900,
como facultativo de terceira classe, e aqui fez carreira até morrer, em 1937. É
esse o caso também do doutor José Baptista de Sousa, que residiu em São Vicente
durante a Segunda Grande Guerra, e cujo nome foi dado logo após a independência
de Cabo Verde ao hospital da ilha, a contracorrente da africanização da
toponímia e do corte com as referências ideológicas Portugal – prova mais que
acabada de como o médico português era tido em boa conta na memória social,
três décadas corridas após a sua despedida do arquipélago.
Era então o espírito
superior de Custódio Duarte um dos espíritos guias do Centro Amor e Caridade de
Santos, e Augusto Messias de Burgo seu instrumento. Custódio Duarte encaixava
no perfil habitual dos espíritos guias dos centros kardecistas do Brasil. Eram
quase sempre espíritos de europeus, ou então brasileiros brancos, que em vida
se tinham notabilizado como médicos, cientistas, políticos ou homens de letras.
Os espíritos de médicos
abundavam, sem dúvida porque os centros espíritas pretendiam serem, além de
escolas de vida, hospitais onde se curava todo o tipo de enfermidades – não
exclusivamente aquelas cuja causa última se julgava “psíquica” (o que queria dizer, no vocabulário espírita, de ordem
espiritual).
Na década de 1930, António
Cottas, o presidente de então do Centro Espírita Redentor do Rio de Janeiro,
lembraria o falecido Custódio Duarte como um médico de espírito aberto,
dedicado ao estudo e à utilização de plantas medicinais, que colhia «os mais
satisfatórios resultados no tratamento simples e eficaz a que submetia os seus
doentes, por meio de plantas brasileiras, africanas e portuguesas».
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Baseado não se sabe em que
fontes, António Cottas atribuiria ainda a Custódio Duarte duas afirmações que,
em seu entender, demonstravam a simpatia do médico pelos princípios espíritas: «de nada valerá ingerir remédios se o
espírito não tiver vontade de curar-se»; e «um copo de água bebido com o pensamento firmado nas alturas, equivalerá
ao melhor dos medicamentos onde houver falta de facultativo e de medicamentos».
Haverá como refutar esta
segunda asserção?
Convém abrir aqui um
parêntesis para ressalvar que nem toda a gente em Cabo Verde estava disposta a
acreditar que o espírito de Custódio Duarte andava ao serviço dos médiuns do
centro Amor e Caridade de Santos – e, depois, dos médiuns do Centro Redentor do
Rio de Janeiro. Como tivemos ocasião de verificar, a esquerda republicana que
pontificava no semanário A Voz de Cabo Verde torcia bastante o nariz à
moda do espiritismo.
Por isso, não é de
estranhar que um dos articulistas deste jornal, o célebre poeta, compositor e
polemista Eugénio Tavares, se tenha dado ao trabalho de investigar a verossimilhança
das alegadas manifestações do espírito do médico. Tendo ouvido dizer que o «luminosíssimo espírito» colaborava no
periódico brasileiro Tribuna Espírita, Eugénio Tavares (que assinava uma
coluna de crítica social com o pseudónimo “Tambor-Mor”) pusera-se a cotejar os
discursos de além-túmulo publicados na folha espírita com os artigos que
Custódio Duarte escrevera em vida para o Boletim Colonial. Lera e relera
uns e outros, e concluíra que aos primeiros faltava «o aroma de vernaculismo, o
tic de elegância, o brilho da alma de Custódio»!
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Há quem diga, mas isto não
é garantido, que além de ter levado para Santos o espírito do seu conterrâneo
Custódio Duarte, Maninho de Burgo foi ele próprio o fundador do Centro Amor e
Caridade. Vários espíritas mais velhos com quem conversei em São Vicente
disseram-me ainda que era Maninho de Burgo quem presidia o centro de Santos no
começo de 1910. E que foi, portanto este cabo-verdiano quem entregou o
bastão ao comendador Luiz de Mattos, o negociante português que tomou a
presidência do centro em Janeiro daquele ano. Esta história, cuja facticidade
não me foi possível apurar, é contada com orgulho pelos espíritas de São
Vicente que a conhecem. Se Maninho de Burgo não tivesse intuído o arcabouço
espiritual de Luiz de Mattos e legado o comando do Centro Amor e Caridade ao
português, nunca este teria chegado a desenvolver a bela doutrina da verdade.
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Se não fosse um
cabo-verdiano, aquilo que é hoje o racionalismo cristão não existiria. Certo é
que se o Centro Amor e Caridade de Santos decidiu enviar um donativo de
alimentos para Cabo Verde em 1911; se a partir dessa altura o espiritismo
começou a ganhar raízes firmes em São Vicente; se a variante que vingou no
arquipélago veio a ser o que mais tarde se chamaria racionalismo cristão, e não
o kardecismo; se existem atualmente em Cabo Verde vinte e cinco centros
racionalistas cristãos frequentados por milhares de pessoas; e se no resto do
mundo (nos Estados Unidos da América, no Senegal, em Angola, em Portugal, na
Holanda, na França, na Bélgica, no Luxemburgo, na Suíça e na Suécia) existem
hoje mais de trinta centros racionalistas cristãos dirigidos e maioritariamente
frequentados por cabo-verdianos e seus descendentes – tudo isto parece ter
decorrido em primeiro lugar da circunstância de dois emigrantes portugueses,
Augusto Messias de Burgo e Luiz de Mattos, um natural de Cabo Verde e o outro
de Trás-os-Montes, se terem cruzado num obscuro centro espírita de Santos em
começos de 1910.
Circunstância acidental, sou tentado a acrescentar, o bater de
asas de uma borboleta no Japão. Circunstância determinada pelo Astral Superior,
que destinou a Cabo Verde, pátria de emigrantes, a missão de expandir o
Racionalismo Cristão pelo mundo – corrigem-me os meus amigos espíritas de São
Vicente. Contra argumentos destes não há fatos. E por enquanto é só a estes
que me quero ater.
Custódio José Duarte
Por Professor Dr. João Vasconcelos
Fonte:
Prof. João Vasconcelos
Universidade de Lisboa
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Poderá ser solicitado à Filial de Ribeirinha, através do Presidente Sr. Arlindo Flávio, no endereço: arlindo_flavio@hotmail.com